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Quero ser Dorival Caymmi

Dorival Caymmi fez 100 anos no dia 30 de abril e me lembrei desta matéria sobre o dorivalcaymmismo que escrevi para a revista VIP em 2005. De como levar a vida de uma maneira mais relaxada… Que pressa é essa? Em tempo: Caymmi viveu até os 94 anos. *** Quero ser Dorival Caymmi* Não foi […]

Cynara Menezes
15 de maio de 2014, 14h03

(O dorivalcaymmismo faz bem, tá na cara)

Dorival Caymmi fez 100 anos no dia 30 de abril e me lembrei desta matéria sobre o dorivalcaymmismo que escrevi para a revista VIP em 2005. De como levar a vida de uma maneira mais relaxada… Que pressa é essa? Em tempo: Caymmi viveu até os 94 anos.

***

Quero ser Dorival Caymmi*

Não foi a melhor das idéias designar uma baiana para preparar uma reportagem sobre a corrente filosófica que está fazendo muito workaholic por aí repensar a vida: slowness, ou devagarismo. Enrolei, enrolei, enrolei, inspirada por frases como “Devagar se vai ao longe”, “Quem corre cansa, quem espera sempre alcança” e “Não deixe para hoje o que você pode fazer amanhã”… Claro que deixei tudo para a última hora, mas não sem regozijar-me da vingança que representa para mim, após anos ouvindo histórias de lerdezas absurdas vividas na Bahia por gente de fora, escrever que o estilo Dorival Caymmi de ser está tomando o mundo.

O “dorivalcaymmismo”, digamos assim, deu a largada, a passos de tartaruga, em 1986, com o movimento SlowFood (cujo símbolo, aliás, é uma lesma). Naquele ano, o McDonald’s abriu uma filial em plena Piazza di Spagna, em Roma. Para os italianos, orgulhosíssimos de sua gastronomia, foi uma afronta. O escritor especializado em culinária Carlo Petrini resolveu tomar uma atitude e fundou SlowFood, na perfeita contracorrente da rede de fast food: uma cozinha elaborada com receitas de família e produtos frescos da própria região, para ser desfrutada tranqüilamente ao redor de uma mesa, com parentes e amigos.

Hoje com 80 mil membros em 100 países, SlowFood contaminou outras áreas. A correria no trabalho, no lazer, na educação, nos exercícios, no sexo e até na música passou a ser questionada por trazer danos à qualidade de vida e à saúde, e combatida com um conselho: desacelere. Em 2004, o jornalista escocês Carl Honoré reuniu em seu livro Devagar (Como um Movimento Mundial Está Desafiando o Culto à Velocidade) todas as manifestações que vêm surgindo aqui e ali em defesa de um novo ritmo no dia-a-dia, e para justificá-lo conta histórias escabrosas, como a do japonês Kamei Shuji.

Shuji era um corretor que trabalhava 90 horas por semana no mercado de ações de Tóquio no fim da década de 1980. Era tão eficiente e dedicado que sua empresa alardeava a necessidade de copiá-lo. Dava, inclusive, palestras a superiores. Em 1989, com a crise da bolsa nipônica, Shuji passou a trabalhar ainda mais. No ano seguinte, morreu, vítima de um ataque cardíaco – aos 26 anos. Um dos países mais rápidos e workaholics do planeta, o Japão talvez seja o único lugar onde existe um vocábulo para definir “morte por excesso de trabalho”: karoshi. Por isso mesmo, também por lá o devagarismo vem crescendo, com iniciativas como o “Clube da Preguiça” ou o “Devagar Está com Tudo”.

“Quem vive correndo come mal, engorda e estressa. Cada vez mais jovens entram em colapso por causa da pressa, da pressão. E é ruim para a própria empresa: as pessoas cometem erros, tomam más decisões”, defende Carl Honoré. O escritor corria demais há cinco anos, quando se deu conta de que mesmo as histórias que contava ao filho na cama vinham em versão express. “Essa é a razão mais importante para desacelerar: os relacionamentos são prejudicados. Não dá para acelerar o tempo que se passa com os filhos, por exemplo.”

Honoré continuou trabalhando o mesmo número de horas, mas desacelerou: não é mais, como diz, um speedaholic (fanático por velocidade). Qual o segredo? Parte do problema do excesso de pressa decorre de as pessoas conectarem devagarismo com preguiça propriamente dita. Dorival Caymmi que o diga: tantas vezes tachado de preguiçoso, o baiano compôs mais de 120 canções em 90 anos de vida. Devagarzinho: levava meses a fio trabalhando em cada uma de suas músicas. Faz parte da lenda a história de que Caymmi foi escrever uma canção de ninar para Nana, sua filha, e só a terminou quando ela tinha 12 anos…

Portanto, desacelerar não significa parar de produzir. “É uma questão de equilíbrio”, diz Honoré. “Velocidade é legal, mas é preciso fazer algumas coisas devagar. É ruim comer rápido ou fazer amor apressadamente. Assim como também é ruim ir devagar se é preciso resgatar as vítimas do furacão Katrina…” Ele reconhece que é mais fácil desacelerar no interior do que em metrópoles como São Paulo, cujo slogan diz justamente que “não pára” e onde fatores externos (trânsito caótico, transporte público ruim) influenciam na pressa das pessoas. “Difícil, mas não impossível. Você pode morar numa cidade grande, com um espírito devagar.”

Vocês devem estar pensando que esse escocês andou pela Bahia… Não, mas é verdade que andou se influenciando pelos ares morninhos e malemolentes do nosso litoral: viveu no Ceará em duas ocasiões e reconhece a influência da estada na América do Sul (também morou na Argentina) em suas idéias devagaristas. “A dança, a música, a praia, todas essas coisas mostram que estar seguindo o relógio não é o que há de mais importante na vida”, diz Honoré, que adora uma boa rede.

Conto para o escritor uma das queixas recorrentes sobre a Bahia – o paulista em férias que fica horas no restaurante esperando sua moqueca. E ele me fala que os alemães cunharam um termo perfeito: freiezeitstress, o estresse do tempo livre. Ou seja: até quando estão de férias, livres do bafo do chefe no cangote, as pessoas estão correndo! “Talvez os paulistas, em vez de ficarem zangados com os baianos, devessem aprender com essa lentidão, adotar algo desse ritmo. Viveriam bem melhor”. Dá-lhe, Dorival!

Pisando no freio

Dicas para desacelerar do autor de Devagar

1. Deixe de fazer coisas, não arranje compromissos demais. Reserve espaços livres na agenda.

2. Be unplugged: acione o “off” de seus brinquedos eletrônicos, internet e celular. Desligue!

3. Fique de olho no seu próprio velocímetro. Quando estiver rápido demais, diminua o ritmo.

Devagar – Carl Honoré – Editora Record – 352 págs.

*Reportagem originalmente publicada na revista VIP em 01/10/2005


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(10) comentários Escrever comentário

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Maia Kaefman em 15/05/2014 - 15h33 comentou:

Lembrei de uma na Bahia. Passava os verões em Trancoso na casa de um amigo que ficava ali bem no meio do famoso quadrado. Uma 3 casas pro lado serviam uma muqueca de polvo espetacular e que levava horas pra sair. A paulistanada teve uma ideia genial; vamos pedir a muqueca voltar pra casa, fazer uma fumacinha, tomar umas cervejas e dali a uma hora mais ou menos voltar que em 15min a muqueca ta na mesa. Planejado e feito, voltamos pro restaurante e ficamos o tempo de costume, 1 hora de relógio esperando a muqueca, quem disse que os baianos começavam a cozinhar sem o cliente na mesa? Hahahahahaha. Moral da história; tá na Bahea rei? Esquece a porra do relógio.

Responder

    morenasol em 15/05/2014 - 15h38 comentou:

    hahaha. um amigo paulista me contou que chegou num restaurante baiano (que nem era na bahia, era no rio), pediu um prato e o garçom falou:
    – peça isso, não… vai demorar muito ; P

    Maia Kaefman em 15/05/2014 - 18h47 comentou:

    hehehe. Ai, mas que saudade eu tenho da Bahia…

    Steiger em 16/05/2014 - 17h45 comentou:

    Tem gosto pra tudo, coisa de comunista mesmo. E olha que eu moro em Salvador…..

    Waldir V. Araujo em 19/05/2014 - 17h42 comentou:

    O papo ta fluindo com uma descontração e chega alguém pra falar coisas fora do contexto. Isso é uma doença ? Fala sério!

    morenasol em 20/05/2014 - 00h01 comentou:

    gente de direita é chata demais. em todos os assuntos

    Adriano Meirinho em 20/05/2014 - 01h09 comentou:

    Hahah… tem uns da direita que realmente estão passando dos limites… hehehe

    @caoandaluz em 04/06/2014 - 04h33 comentou:

    Ah, dei valor à sinceridade dele.

Flavio Lima em 21/05/2014 - 10h49 comentou:

Ta explicado pq vc demora dias e dias pra colocar novos posts no blog hahaha. Seus posts são sensacionais, sou seu fã.

Responder

    morenasol em 21/05/2014 - 21h30 comentou:

    aqui é só o ouro, meu amigo ; )

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