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Jô Soares, o cara na Globo que gosta da Dilma

"Comecei a ter uma reputação de petista fanático porque saí em sua defesa quando começou aquela onda absurda, louca, de 'fora Dilma'", disse o apresentador

O beija-mão de Jô a Dilma. Reprodução TV Globo
Cynara Menezes
13 de junho de 2015, 14h25

O ar désolé de William Waack no Jornal da Globo ao anunciar a próxima atração era uma pista para o que viria a seguir: o apresentador Jô Soares em um encontro para lá de amistoso com a presidente Dilma Rousseff no palácio da Alvorada. E “o gordo” já começou dizendo a que vinha: fazer uma entrevista-desagravo à presidente, que está sendo alvo, disse, de uma campanha “absurda” por parte de gente que não se conforma com o resultado da eleição.

“Eu comecei a ter uma reputação de petista fanático porque saí em sua defesa quando começou aquela onda absurda, louca, de ‘fora Dilma’. A pessoa não acredita muito que na democracia, quando a pessoa é eleita, tem que se respeitar o voto. Saí em sua defesa, não que você precisasse, mas tem certas coisas que me deixam indignado”, comentou Jô. Ou seja, o apresentador global deixou patente que vê as manifestações como choro de perdedor. Uau.

Jornalisticamente, é preciso que se diga, a entrevista não foi lá essas coisas. Uma entrevista rende muito mais quando se faz um bom número de perguntas ao entrevistado (não necessariamente ardilosas), sem deixá-lo falar tanto. Quanto maior a variedade de temas, mais variada, claro, fica a entrevista. Faltaram diversos temas, em minha opinião, principalmente provocações sobre a relação entre Dilma e os detentores do poder no Congresso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Jô só tocou no nome deles en passant, e para criticá-los. Fiquei particularmente desapontada por Dilma não ter aproveitado o apoio explícito do apresentador ao imposto sobre grandes fortunas.

Mas há dois pontos a se levar em consideração: o primeiro é que Jô Soares não é jornalista e sim um entertainer – que tem, atenção, a “permissão” de se posicionar politicamente, ao contrário dos jornalistas, nos meios tradicionais. O segundo é que o objetivo dele com a entrevista não era colocar Dilma na parede, coisa que vimos à exaustão toda vez que ela apareceu diante das câmeras respondendo a jornalistas brasileiros –no Jornal Nacional, então, nem se fala. O objetivo de Jô era mostrar como Dilma pensa e como quer governar o País. E, neste aspecto, é possível dizer que foi a primeira entrevista que a presidente deu desde que se elegeu em 2010 em que pôde fazer isso. Todas as entrevistas de Dilma no Brasil tinham ar de duelo, normalmente concedidas no calor de uma campanha eleitoral.

Jô Soares, ao contrário, levantou a bola para Dilma cortar em praticamente todas as perguntas. À vontade, sem ser interrompida, a presidente, mesmo com a prolixidade habitual, pôde explicar o que tem feito e quais são suas metas para os próximos quatro anos. E, diferentemente da Dilma “marionete” de Lula que pintam, sobressaiu uma governante segura do que tem na cabeça. Para exasperação de seus opositores, Dilma transmitiu uma imagem de mulher extremamente preparada para o cargo. Quer você goste dela ou não, ficou bastante óbvio que ela não está ali por acaso e sabe exatamente o que está fazendo. Se você não concorda com o que ela está fazendo (e aqui incluo a esquerda que votou nela) é outra história, mas que ela tem a coisa clara na cabeça, tem.

A entrevista de Dilma Rousseff ao Jô foi praticamente um anti-panelaço: contra os que quiseram calar a presidente pelo grito, o entrevistador mais famoso do Brasil lhe ofereceu voz.  Elogiou seu gosto pela leitura, mostrou-se admirador de sua passagem pela luta armada durante a ditadura e não disfarçou sua confiança no projeto de governo dela. Jô gosta muito de Dilma, simpatiza com a pessoa dela, isso ficou evidente. O recado foi dado à emissora onde trabalha: “Vocês não gostam dela, mas eu gosto e vão ter que me engolir”. Aos 77 anos de idade e 54 anos de carreira, Jô Soares pode fazer isso. Para culminar, terminou a entrevista com um galanteio hilário à presidente em pleno dia dos namorados, antes de beijar sua mão: “Foi bom para você também?” E foi bem isso mesmo, um “beija-mão”. Jô estava ali para ser um gentleman com Dilma.

Na manhã seguinte à entrevista, as redes sociais estavam ouriçadas. Os “defensores da liberdade de expressão” de costume atacavam Jô Soares sem o menor respeito. “Fim de carreira”, “sem caráter”, “petralha”, “sempre foi fraco”, além dos xingamentos impublicáveis característicos ao grupo. Não poderiam faltar as acusações de que Jô “recebe dinheiro” do PT: a captação pela Lei Rouanet para a montagem da peça Troilo e Cressida, de Shakespeare, foi transformada imediatamente em suborno. Gente capaz de vender sua ideologia por 30 dinheiros acha que todo mundo faz o mesmo.

Pois eu achei uma atitude muito corajosa de Jô Soares de fazer este desagravo a Dilma, ainda mais em plena TV Globo, emissora que integra a oposição midiática ao PT e a seu governo. Jô demonstrou que não está disposto a abrir mão de suas convicções, ainda que isto lhe resulte em linchamento por parte de gente que aprova linchamentos. Coragem é sempre algo admirável em um personagem público.

Assista à íntegra da entrevista clicando aqui.

 

 


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