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Janine, novo ministro da Educação, aconselha Dilma a se comunicar melhor com o povo

Em novembro do ano passado, estive na casa do professor Renato Janine Ribeiro em São Paulo para conversar sobre política. Enquanto tomávamos um café em seu simpático sobrado na Aclimação, Janine me falou de suas preocupações com o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, recém-reeleita. A entrevista foi publicada na revista CartaCapital. Com a sua […]

Cynara Menezes
28 de março de 2015, 14h39
janine

(Renato Janine Ribeiro em sua casa em São Paulo. Foto: CartaCapital)

Em novembro do ano passado, estive na casa do professor Renato Janine Ribeiro em São Paulo para conversar sobre política. Enquanto tomávamos um café em seu simpático sobrado na Aclimação, Janine me falou de suas preocupações com o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, recém-reeleita. A entrevista foi publicada na revista CartaCapital. Com a sua escolha para ministro da Educação, resolvi divulgar aqui uma versão estendida daquele bate-papo.

As críticas que o filósofo fazia ao governo e também à oposição são muito pertinentes. Alguém assim me representa no ministério e espero que a presidenta o ouça –se o chamou, parece claro que está disposta a ouvir. Espero que logo possamos a tomar um café novamente para que ele me conte de suas ideias à frente da pasta.

***

“Oposição tem de atuar com ideias, sem ódio”

O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na USP (Universidade de São Paulo), declarou voto em Dilma Rousseff por achar que o PT conduz melhor as políticas sociais. Mas está preocupado. Acha que a presidenta terá que mudar seu modo de governar se quiser fazer um segundo mandato melhor que o primeiro: ser menos centralizadora, delegar mais poder e não inibir os ministros e colaboradores. “Se dentro dela houver uma disposição maior ao diálogo, será muito bom”, aconselha Janine. Ele falou a CartaCapital em sua casa, em São Paulo.

CartaCapital – A eleição de Dilma surpreendeu o senhor?

Renato Janine RibeiroEra imprevisível o que ia acontecer porque nunca tivemos uma eleição tão parecida com um thriller, um romance policial. Inclusive a morte de Eduardo Campos é destas histórias que se você colocasse num romance ia parecer apelação. Em um ano e meio, uma presidenta passa de 60% de aprovação, uma reeleição tranquilíssima, garantida, para um desgaste, e depois quando surgiu Marina, a chance forte de perder… Desde a morte de Eduardo, quem fosse apostar, ia apostar pelo menos 50% na chance de ela perder. Foi um trabalho muito grande para conseguir ganhar.

CC – De onde vem esse desgaste?

RJR Basicamente de dois pontos: de um lado, da campanha de desconstrução dela e do PT que tem pelo menos três anos. O primeiro ano do governo dela teve uma espécie de lua-de-mel. A mídia e a oposição estavam festejando o fato de que ela demitia os ministros suspeitos ou acusados e então isso trouxe, sobretudo com o contraste de uma certa tolerância do governo Lula, uam popularidade da Dilma nos setores reticentes ao PT. Essa popularidade não necessariamente iria se traduzir em votos. Duvido que essas pessoas fossem votar nela. Mas a partir do segundo ano de mandato foi um ataque ininterrupto, inclusive com um descolamento entre o que era dito e o que era entendido. Nunca li nenhum artigo, ninguém que acusasse Dilma de algum ato de corrupção. Os atos de corrupção sempre foram colocados na conta de outras pessoas, não há uma única acusação a ela. Mas na opinião pública de oposição colou a ideia de que ela e o partido eram corruptos. Então houve de um lado esse trabalho de desconstrução que culmina com a edição da Veja a poucas horas do pleito, com farta distribuição, propaganda no rádio e TV, recusa de publicar direito de resposta concedido pelo TSE… E, do outro lado, as falhas do próprio governo. Talvez a principal seja a dificuldade da presidenta de lidar com a política, a dificuldade dela de negociar. Um dos significados da política é que você não dá ordens, você ouve, escuta e tenta construir a mais ampla base possível. E ela não dialogou especificamente com três setores: primeiro, os empresários. Muitos se queixaram por um longo tempo não tanto do PT, não tinha uma queixa ideológica, até porque muitos gostavam de Lula, mas havia uma queixa de falta de comunicação, de que Dilma não os recebia, não dava sinais claros para onde ia a economia, e eles não sabiam como fazer suas escolhas. Apesar de os empresários terem um poder de fogo porque têm o capital, numa sociedade capitalista não há como não ouvi-los. O segundo ponto foi o pouco diálogo com os políticos, mesmo. Eles também foram pouco recebidos, pouco levados em conta. Mas o mais grave, a meu ver, do ponto de vista de um partido como o PT, é a falta de comunicação com o povo. Isso não tem nada a ver com técnica de comunicação, com o marqueteiro. E aí está outro erro: ter pensado que isso era uma coisa de marketing, então tinha que contratar o João Santana e aí resolve isso. Não. A questão de comunicação com o povo, para o PSDB, pode ser uma questão de técnica. Para o PT é uma questão de essência, de cerne. Se ele não se comunica com o povo, como é dos trabalhadores? E, no entanto, ela não se comunicou com eles. Ela parece gostar da política mais do lado poder do que do lado diálogo, discussão, escuta e tentativa de dar uma orientação. E isso faz um contraste muito grande com os dois últimos presidentes. Fernando Henrique não se metia na gestão, não devia entender de gestão, mas conseguiu vender o peixe da estabilização monetária e mesmo o das privatizações, um peixe indigesto, e conseguiu convencer que isso era bom. Teve uma excelente comunicação com a classe média. E Lula, que é um comunicador ainda melhor, conseguiu se comunicar com pessoas mais pobres, com muito mais gente que o Fernando Henrique. O problema da Dilma é que não fez nenhuma das duas coisas.

CC – Dilma tem condições de rever essa postura e fazer um segundo mandato melhor que o primeiro, como aconteceu com Lula?

RJRPrecisar, ela precisa. Tinha que fazer ontem. Se ela vai querer e vai conseguir é outra história. Embora eu nunca a tenha visto pessoalmente, o que a gente ouve é dessa dificuldade de diálogo, essa tendência mais a dar ordens do que a escutar. É muito difícil mudar as pessoas. Tanto é que o segredo do Duda Mendonça para tornar o Lula popular não foi inventar um Lula novo, foi tirar a casca grossa do sujeito reclamão, cara fechada, e mostrar o lado alegre, feliz, bem-humorado. No caso da Dilma, será que ela consegue fazer isso sem ser forçado? O melhor momento de fala dela até hoje foi na discussão com o senador Agripino, quando ele a questionou de ter mentido sobre a tortura. Parece que quando ela fala de coração, sem seguir nenhum script, vai melhor. E nos debates ela tem script, foi treinada, recebeu um media training e isso não funciona muito bem com ela. Se dentro dela houver uma disposição maior ao diálogo e ela conseguir utilizar isso, será muito bom. Sem isso vai ser muito difícil o segundo mandato. Ela precisaria fazer concessões à direita e à esquerda. À esquerda tem toda uma agenda, pelo menos de costumes, ao qual ela não deu muita importância. Tem uma área, no que diz respeito aos Direitos Humanos e ao Meio Ambiente, que é muito deficiente. Cedeu aos setores mais conservadores e na hora do voto foi o pessoal dos Direitos Humanos que foi apoiá-la, enquanto os homófobos haviam ido em sua maioria para Aécio. Então vai ter que abrir por esse lado. Na agenda econômica, tem que fazer sinais para a direita, ou para o capital. O capital não necessariamente vai assumir as bandeiras da direita, mas o capital é por natureza conservador. Como vai conseguir negociar com todas essas pessoas se ela primou, até agora, por não negociar? 

CC – A presidenta centraliza demais?

RJR Tudo que a gente lê é que ela é muito centralizadora, delega muito pouco, inibe os ministros, os colaboradores, desautoriza de público… Isso inibe a criatividade. Um caso que sempre lembro: Haddad, quando era ministro da Educação de Lula, foi acordado de madrugada com a notícia de que haviam roubado as provas do Enem. E teve que tomar uma decisão super-rápido. Imagina ter que ligar para o Lula às 3 da manhã para pedir autorização para cancelar o Enem? Ou se cancelasse e duas horas depois o presidente mandasse fazer? Esse tipo de risco um ministro não pode correr. Outra coisa: você tem um ministério de pouco brilho. Um ministro que foi brilhante no governo Lula, Celso Amorim, nas Relações Exteriores, ninguém acompanha o que ele faz na Defesa. Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia… Estão apagados agora. Mesmo um ministro de maior projeção, como o Mercadante, você não ouve sobre iniciativas dele.

CC – A alegada divisão no Brasil sempre existiu, foi incentivada pelo PT ou pela mídia?

RJRExiste um clima alimentado por alguns veículos, sobretudo uma revista, que é um clima de ódio. Mas acho que pelo menos 50% das pessoas não dão muita importância à política. Dos 30% a 40% que dão, uma parte está muito antagônica à outra. Mas vejo essa revolta, essa intolerância, mais no eleitorado tucano. Isso não quer dizer que os 48% que votaram em Aécio são intolerantes, um terço, talvez. E um número menor ainda fala em impeachment. Mas ficou uma divisão que não é geográfica, é uma divisão entre os que se sentem beneficiados pelas políticas sociais do governo petista e os que ou se sentem prejudicados ou têm preconceito contra as pessoas que foram subindo na vida. Havia uma expressão horrorosa nos anos 1960 quando houve os conflitos raciais nos EUA: “no Brasil não temos isso porque os negros conhecem seu lugar”. A ideia de que o pobre sabe qual é “o lugar do pobre” sempre foi forte no Brasil.

CC – E como fica a oposição?

RJRA grande questão é se os tucanos vão conseguir fazer uma oposição para além do ódio. O que estou vendo é que o PSDB falhou em ser um grande partido liberal, dos empreendedores, e acabou se tornando o partido do grande capital. O grande problema do PSDB é não ter uma proposta, então acaba precisando dos votos do ódio. Isso justifica a proximidade com os blogueiros do ódio. Certamente o PSDB não os chamaria para nenhum cargo importante, mas iriam ter um espaço na máquina de propaganda. O problema disso é que o PSDB acaba tendo uma parte do eleitorado que é pior do que sua liderança, o que me parece um gigantesco erro político.

 


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katiusca em 28/03/2015 - 17h04 comentou:

Muito bom , a crítica sensata , respeitosa sem fugir a verdade .

Responder

Fabio em 28/03/2015 - 19h27 comentou:

Espero que a “granda chefa toura sentada”, faça um ISO 9000 , para descentralizar as decisões.
Janine é uma grande pessoa , espero que ele tenha liberdade para trabalhar.

Responder

@flaviodoprado em 29/03/2015 - 00h30 comentou:

zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz, então minha esquerdista favorita, antes de sair para jogar um bilhar e tomar umas brejas, resolvi passar para ver as novidades e pelo que vi está tudo normal, mais um ministro sonhador e que não enxerga, será que ninguém vai dizer para a sua presidente Dilma que o povo está com raiva dela porque ela mentiu, acho que é você que vai ter que falar com ela heimmm. Explica para ela, que ela disse que se a oposição ganhasse eles ia colocar banqueiros no governo ai ela coloca o cara do Bradesco (bradesco heimmm), ela disse que não ia mexer em direito do trabalhador e o que ela faz? Manda meditas para o congresso para punir o trabalhador, a energia elétrica então nem quero falar.
Simples o governo está atolado em roubos de bilhões e ela quer pegar o trabalhador simples, não dá né meu anjo. Dê um passeio nos bares, nas padarias nas feiras ( de pobres tá ) e veja o que o povo fala, o povo se sentiu enganado e essa conversa que eles também roubaram, cheira a desculpa de ladrão, não cola, tudo está subindo, onde se viu um pastel aqui na quebrada 5 reais, o pão foi para 12,50 o quilo, o padeiro já tem a resposta na boca, é o trigo senhor o dólar subiu, assim fica complicado, é constrangedor ver uma mulher, mãe e avó ser chamada de mentirosa, mas é a realidade, infelizmente ela tem que parar de ficar trancada com o pmdb e vim falar cara a cara com o povo, o povo não quer discurso de humildade o povo quer um gesto concreto dessa humildade e não estamos vendo isso né, o povo lembra da cara de arrogante do tal do Rosseto ele foi a imagem do governo pós manifestação, erro grave colocar esse alienado para falar, o discurso oficial do governo ficou na nossa mente o que ele disse.
Vou te ajudar e sugerir três gestos que vai melhorar a visão que o povo tem dela, presta atenção, primeiro chama uma cadeia nacional e confesse que mentiu na campanha e que humildemente pede ajuda, segundo diminui o número de ministério (sabemos que não resolve , mas o ato vai criar uma simpatia) se demorar o pmdb vai ficar com o mérito, eles já sacaram isso, terceiro mandar para o congresso a regulamentação da taxação das grandes fortunas , até eu que sou de direita acho que precisamos disso.
Minha querida depois dessas humildes mais sinceras sugestões deixo os votos de uma linda noite para você.
Grande abraço

Responder

Maia Kaefman em 29/03/2015 - 01h20 comentou:

Algo que admiro nos bons entrevistadores são as perguntas sucintas e pertinentes. Algo que eu admiro num bom entrevistado são as respostas longas e esclarecedoras. 😉

Responder

Adriana em 29/03/2015 - 20h02 comentou:

Mas… quem é a pessoa com perfil de gestor, da confiança dele, pra dar conta do recado? Há uma grande diferença entre ser professor/ ensaísta e ser ministro.

Responder

AndreCPaes em 02/04/2015 - 12h05 comentou:

Ótima escolha na pasta da educação. Boa entrevista.

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